A resolução do CFM (Conselho Federal de Medicina) proibindo o bloqueio hormonal para mudança de gênero em crianças e adolescentes e aumentando a idade mínima para cirurgias de transição não vale para quem já usa as terapias. O conselho justifica a publicação por suposto aumento da “destransição”, mas não apresenta dados que comprovem crescimento.
O texto ainda precisa ser publicado no Diário Oficial. Em seu artigo 10, ele diz que seus efeitos não são retroativos.
A vedação à prescrição de bloqueadores hormonais, que interrompem a produção de hormônios sexuais, não se aplica a casos de puberdade precoce ou outras doenças endócrinas, somente àqueles envolvendo crianças e adolescentes transexuais.
Na justificativa para a nova resolução, os conselheiros relatores, Bruno Leandro de Souza e Raphael Câmara Medeiros Parente, dizem que a transição de gênero é realizada, em tese, para melhorar o bem-estar de pessoas que sofrem de disforia, sofrimento por não estar no corpo adequado à identidade de gênero.
Contudo, seguem, “alguns [estudos] têm argumentado que as evidências que apoiam intervenções médicas para transição de gênero (por exemplo, terapias hormonais e cirurgia) são fracas e inconclusivas, e um número crescente de pessoas se apresentou recentemente para compartilhar suas experiências de arrependimento de transição e destransição”.
O CFM diz que tais dados são incipientes, mas ser estimado que hoje a descontinuação do tratamento ocorra em 2% a 25% dos casos.
Uma meta-análise de 2021 que avaliou os resultados de 27 estudos científicos que mediram o grau de arrependimento de cerca de 8.000 transgêneros homens e mulheres mostrou que menos de 1% se arrependiam de procedimentos como os exemplificados no documento do CFM.
A resolução afirma que pesquisas recentes –uma realizada na Finlândia, em 2024, e outra online com canadenses e americanos, em 2023–, mostram maior arrependimento entre os jovens em relação a outras faixas etárias.
Noutra parte, a conselho traz outro artigo, de 2008, segundo o qual boa parte das pessoas que recebem diagnóstico de disforia de gênero na primeira infância aceitam seu sexo de nascimento através do curso natural da puberdade. “Muitas dessas crianças tornaram-se adultos gays ou lésbicas”, diz o texto.
O conselho afirma que a maioria dos riscos físicos associados aos bloqueadores de puberdade, medicamentos que atrasam ou interrompem o desenvolvimento da puberdade, podem ser controlados, e elenca alguns.
“A exposição aos hormônios sexuais é importante para a resistência óssea, para crescimento adequado e desenvolvimento de órgãos sexuais. Consequentemente, a densidade óssea reduzida, a altura alterada e a fertilidade reduzida podem ocorrer”.
O documento também diz que atualmente a discussão sobre o bloqueio hormonal se concentra em danos subjetivos, particularmente o arrependimento e a possibilidade de que os jovens possam mais tarde retornar à sua identidade de gênero atribuída ao nascer.
O CFM, então, declara não haver comprovação científica suficiente para afirmar que o uso de bloqueadores não afetaria uma possível reversão em caso de arrependimento. Segundo a entidade, essa dúvida fez países de viés claramente liberal em questões de costumes proibirem ou restringirem a terapia. São citados Suécia, Noruega, Finlândia e Inglaterra.
Questionado pela Folha na manhã deste sábado, o ministro da Saúde Alexandre Padilha se negou a comentar sobre o tema, uma vez que a resolução ainda não foi publica no Diário Oficial.