Lar Policia Gilberto Gil fez shows com briga política, desmaio de fãs e euforia com Jimmy Cliff

Gilberto Gil fez shows com briga política, desmaio de fãs e euforia com Jimmy Cliff

por admin
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Em 1980, Gilberto Gil subiu ao palco do estádio Fonte Nova, em Salvador, para um show que passaria a semana sendo comentado no Brasil. O tropicalista, um dos maiores embaixadores do reggae no país, cantou com o jamaicano Jimmy Cliff num dia que parou a cidade.

“A expectativa era de 15 mil pessoas, e deu mais que o dobro. Quebraram tudo. Foi notícia nacionalmente durante uma semana”, diz Geraldo Badá, fundador do afoxé Badauê, que trabalhou naquele evento, segundo ele, numa estrutura precária. “A identificação da produção era um papel escrito com caneta hidrocor.” À epoca, Nelson Motta, disse na TV Globo que o show reuniu 60 mil pessoas.

Agora, 45 anos depois, Gil se despede dos grandes palcos com a turnê “Tempo Rei”, que estreou em março na mesma Fonte Nova e chega neste fim de semana a São Paulo.

Badá hoje se diz surpreso com a qualidade técnica da nova turnê —uma diferença gritante para o show com Cliff, com uma profissionalização que Gil adotou a partir da década de 1980.

Antes disso, fazia shows menores para plateias cheias de hippies, que poderiam durar mais de três horas e tinham performances heterodoxas. É o que diz Rubens Carsoni, fã de São Paulo que esteve em todas as turnês de Gil desde 1974, quando viu o tropicalista no Tuca, teatro da Pontifícia Universidade Católica, a PUC.

Nessa época, o músico vivia uma entressafra —logo depois do “período heróico” da tropicália e do exílio, e antes da trilogia “Re”. Era uma época de experimentação, sob as influências do free jazz e do rock.

“Era um público jovem, hippie e universitário. Todo mundo era cabeludo. Em plena ditadura militar. Os shows de Gil e Caetano Veloso tinham essa aura de contracultura. Tinha muita improvisação, uma coisa tribal. As músicas duravam mais de dez minutos”, diz Carsoni.

Ele estava presente quando Gil cantou no colégio Equipe, em São Paulo, em 1977, apenas com voz e violão —formato comum em sua carreira. O show, na quadra da escola para algumas centenas de pessoas e com ingressos baratíssimos, segundo Carsoni, já se encaminhava para o fim quando um grupo interpelou o cantor.

“Havia muitas manifestações de estudantes contra a ditadura, e alguns deles foram cobrar uma posição política do Gil. Houve um choque. Lembro-me de ele falar ‘não vim aqui para fazer coro socialista’.” Era o governo Ernesto Geisel, e Gil havia enfrentado o exílio em Londres poucos anos antes. “Ele reagiu. Não arregou, se sentiu coagido pelos caras. Mas vaiado não foi, porque a maioria do público ficou com ele.”

Naquele mesmo ano, Carsoni lembra a catarse que foi a performance de “É Proibido Fumar”, de Gil com Rita Lee, no show “Refestança”, no estádio do Canindé. Tanto o tropicalista quanto a roqueira tinham sido presos por porte de maconha nos anos anteriores.

O fã também tem na memória uma apresentação em 1979, no famoso baile black Chic Show, no estádio do Palmeiras. “Acho que foi o primeiro show dele aqui com maioria de negros”, diz. “Nunca esqueci que as meninas, todas negras, subiam no palco, beijavam o Gil e desmaiavam. Foi uma loucura. Nunca vi aquilo. Euforia mesmo. Ele ficou assustado. Ele falou algo assim: ‘legal receber beijos, mas cuidado’.”

Foi naquele mesmo ano que Gil lançou o disco “Realce”, cuja turnê ficou em cartaz no Teatro Castro Alves, em Salvador. Arygil, cantor que faz imitações do tropicalista e leva o nome do ídolo em sua alcunha artística, era adolescente e perdeu a semana de provas para ver os shows.

“Fui em todos. Lembro das trancinhas com os búzios, aquelas roupas, os sapatos —era tipo uma percata cheia de lantejoulas”, diz. “Rubens Sabino destruiu no baixo. Ele cantou ‘Logunedé’, uma música linda.”

Geraldo Badá rasgou as calças jeans, que havia acabado de comprar, e a cueca ao pular o muro do Castro Alves para ver um daqueles shows —os ingressos estavam esgotados. “Foi quando ouvi ‘Realce’ e aquela música me salvou. Comecei a usar as trancinhas querendo imitar Gil. Hoje todo mundo trança o cabelo, mas ele foi um dos primeiros.”

Mais ou menos nessa época, Arygil conta ter vivido uma epopeia com o ídolo. Era um show gratuito para dezenas de milhares de pessoas no Centro de Convenções, na Boca do Rio, em Salvador. Já conhecido pelas imitações, ele diz que foi carregado pela plateia.

“Estava entupido. O povão, sabendo que eu era fã, me carregou. Eu ficava falando, ‘não segura que vou invadir’. Quando pulei, um segurança que me pegou e barrou. Mas eles [Gil e sua equipe] me conheciam, então não podiam me bater.”

Segundo o fã, Gil viu a cena, parou o show e pediu que ele subisse no palco. “Eu falei [ao segurança], ‘tá vendo?’ Ele me deu o microfone, pediu ao [percussionista] Repolho para tocar para mim. Começou um toque de candomblé. Gil pegou o violão e saiu tocando por cima. E ele cantou [a música de Paulinho Camafeu para o bloco afro Ilê Aiyê] ‘Que Bloco é Esse?’. Aí eu fiquei doido, cantei igual ao cara.”

Com o sucesso de “Não Chore Mais” e o disco “Realce”, Gil entrou nos anos 1980 no auge de sua guinada pop. Carsoni lembra que os shows ficaram mais profissionais, com hora para acabar e terminar, e estrutura melhor.

A turnê de “Luar”, de 1981, ficou um mês em cartaz no Sesc Consolação, em São Paulo. Badá, que àquela altura, ele diz, havia sido “adotado” por Gil, recorda que até Pelé estava na plateia. Carsoni viu Jorge Ben Jor dar uma canja com o tropicalista.

A partir do disco “Extra”, de 1983, as turnês de Gil passaram a ocupar espaços mais sofisticados —como o antigo Palace, na capital paulista. Os ingressos ficaram mais caros, e os públicos, com maior poder aquisitivo.

“Já era diferente. A moda estava mudando. As pessoas já não eram tão hippies. Nos anos 1970, você podia subir no palco e cantar. Isso acabou. Quando entrou os anos 1980, ficou muito mais profissional”, diz Carsoni.

No show de “Raça Humana”, o rock era febre no Brasil, e Gil encarnava no palco uma espécie de Prince tropical. “Ele estava mais afeminado, com o cabelo alisado. No Palace, todo mundo ficava sentado com mesa e cadeira. Era chato, você só levantava no final. Dava agonia, mas ainda era muito bom.”

A história de Gil nos palcos teve shows na Europa —ele passou mais de 20 anos indo ao continente anualmente no verão de lá— e diversas passagens pelos Estados Unidos. Isso sem contar as turnês com os Doces Bárbaros —em que “Maria Bethânia roubava a cena”, segundo Carsoni—, com Caetano, cantando reggae, forró ou João Gilberto, com Stevie Wonder, Milton Nascimento, Letieres Leite, Gal Costa e Nando Reis e com a família, entre outras.

Mas uma coisa, diz Carsoni, nunca mudou. “Ele sempre instigou o público a participar das músicas, trazer a plateia para dentro do palco. Até hoje é assim. São rituais. No [show de] ‘Refavela’, me lembro que ele puxava uns coros africanos e todo mundo cantava —principalmente em ‘Patuscada de Gandhi’, que durava uns 15 minutos. Era uma loucura. Tão bom que era muito melhor que o disco. Quando comprei o LP, aliás, fiquei decepcionado.”

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