As aves que sempre viveram soltas no parque da Água Branca, na zona oeste de São Paulo, serão confinadas em definitivo, confirmou no final de março a concessionária que cuida do espaço desde 2022.
É uma pequena tragédia urbana.
Milhares de crianças que vivem na maior metrópole do país, talvez milhões, tiveram ali seu primeiro contato com galinhas, patos e até pavões soltos na natureza.
(Muitas penosas, vejam só, punham seus ovos em meio à vegetação; presenciei a improvável e bela cena de um funcionário com um cesto fazendo a coleta da produção.)
Cavalos, tanques de peixes, bambuzais e a pequena mata que integra uma APA (Área de Proteção Ambiental) complementam o ar rural, alheio ao vaivém frenético de veículos a poucos metros.
Ou complementavam. Porque parte da estrutura segue lá, mas o parque está abandonado e foi jogada no lixo a ideia de um parque-chácara, um lugar onde a natureza é senhora e vigoram a lentidão e a simplicidade.
(Há coisa de dez anos, uma casinha de taipa de pilão, a Casa do Caboclo, servia cavaca —tipo de broa de milho— com café coado feitos no fogão a lenha e era o ponto de encontro para rodas de música caipira.) Com esse universo, e também pela localização, perto do terminal Barra Funda de metrô e ônibus, o da Água Branca sempre foi um dos parques mais populares e menos elitistas de São Paulo.
A concessionária assumiu a administração em 2022 e desde então pouco fez; pior, parece contrariar a vocação do lugar. No primeiro ano, o parque não recebeu as melhorias prometidas nem reativou espaços fechados durante a pandemia.
Em 2023, com o estado de emergência devido à gripe aviária, os novos administradores foram obrigados a confinar as então 2.600 aves. Depois, ignorando apelos de moradores e conselheiros, doaram a maioria delas e mantiveram presa a minoria que restou.
Evidente que não se propõe passar por cima das restrições sanitárias. Mas outros sinais mostram que a concessionária jamais esteve disposta a manter as aves soltas —com ou sem emergência— nem muito menos a tradição do lugar. Mais de um ano e meio depois, o parque segue alquebrado. A remoção das aves é um emblema do quadro geral desolador.
Se em 2023 o parque voltou a receber a Feira Nacional da Reforma Agrária do MST, na qual pequenos agricultores vendem seus produtos e cujo perf il está sintonizado com a vocação do espaço, a novidade da vez parece uma aberração.
Neste mês, será instalada ali a Casacor, evento famoso por tentar imprimir um verniz, como dizer?, holístico-cultural ao universo da decoração. É como tentar recriar um galinheiro num shopping center.
Numa rede social, a associação de moradores Amora Perdizes reclamou que um “espaço público histórico” foi “privatizado, abandonado e silenciosamente esvaziado do seu uso social”. E questionou, sobre a Casacor, “como esses contratos poderão beneficiar o uso social, a conservação dos edifícios e todo o patrimônio ambiental e zoológico” do parque.