Jovem Pan > Opinião Jovem Pan > Comentaristas > Ricardo Motta > Bets e Procon: o limite entre a fiscalização e a insegurança jurídica do mercado

Consolidação de marco regulatório é demanda legítima e urgente, mas essa construção deve ser feita com cautela técnica, respeito à hierarquia normativa e diálogo com os operadores do mercado

  • Por Ricardo Motta
  • 13/04/2025 10h00

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Setor de apostas, por sua natureza, demanda mesmo uma vigilância regulatória proporcional aos seus riscos

A atuação recente do Procon-SP em face de empresas do setor de apostas esportivas evidencia uma postura ostensiva, marcada por autuações e interpretações jurídicas que vêm gerando questionamentos quanto à aderência aos limites do marco legal vigente. Esse movimento é reforçado pela nota técnica da Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), que, longe de promover segurança e previsibilidade normativa, intensifica o sentimento de insegurança jurídica no setor.

O que poderia representar um avanço regulatório técnico, legítimo e orientado ao interesse público transforma-se, na prática, em um cenário de insegurança institucional. Nele, órgãos de defesa do consumidor passam a exercer protagonismo na interpretação e reinterpretação de normas que exigem, acima de tudo, precisão técnica, parcimônia regulatória e sensibilidade setorial.

Quando o zelo ultrapassa os limites do razoável

O discurso de proteção ao consumidor é imprescindível. O setor de apostas, por sua natureza, demanda mesmo uma vigilância regulatória proporcional aos seus riscos. Contudo, a atuação pública deve sempre se ancorar em critérios legais objetivos, evitando transformar a fiscalização em uma forma indireta de intervenção regulatória.

O que se observa em determinadas manifestações recentes é a adoção de premissas que desconsideram o marco normativo aplicável, confundem conceitos jurídicos fundamentais como a própria natureza do serviço prestado e se apoiam em fundamentos genéricos de “ofensa ao consumidor”, sem qualquer lastro técnico ou jurisprudencial consolidado.

Em vez de recorrer a autuações precipitadas, seria mais coerente que os órgãos de defesa do consumidor assumissem, neste momento, um papel predominantemente orientador e educativo frente ao setor. Trata-se de um mercado em estruturação, ainda sem regulamentação plenamente consolidada pelo ente competente, e que demanda, acima de tudo, diálogo institucional e segurança interpretativa.

Adotar uma postura preventiva e cooperativa, com foco na orientação técnica e na construção normativa, seria uma forma mais eficaz de proteger o consumidor sem comprometer o amadurecimento regulatório de um setor econômico cada vez mais relevante.

Nota da Senacon: insegurança travestida de orientação

A nota emitida pela Senacon, embora redigida em linguagem formal, apresenta conclusões que se distanciam do ordenamento jurídico vigente. O texto antecipa juízos que, pela via adequada, dependeriam de apreciação judicial ou tramitação regular em processo administrativo, com garantia de contraditório e ampla defesa. Em vez de promover orientação técnica, a nota contribui para distorcer o debate, comprometendo a confiança dos operadores de mercado na capacidade institucional do Estado de agir com imparcialidade e segurança jurídica.

Mais do que rigidez, o que se evidencia em certas manifestações públicas é a confusão conceitual sobre institutos jurídicos e estruturas operacionais típicas do setor de apostas. Trata-se de um sinal não apenas de precipitação, mas também de um déficit de compreensão sobre um mercado ainda em fase de estruturação normativa, que demanda estudo, prudência e diálogo por parte de toda a sociedade, inclusive dos órgãos reguladores e de defesa do consumidor.

A aplicação de conceitos genéricos, fora de contexto técnico, compromete a efetividade da proteção ao consumidor e enfraquece a credibilidade institucional da atuação pública.

O Estado deve ser o indutor da confiança jurídica, não o vetor da insegurança regulatória. Não se trata de blindar o setor. Trata-se de exigir que a atuação pública se paute por princípios legais, pelo devido processo e pela responsabilidade institucional de não comprometer a coerência normativa do ordenamento jurídico vigente.

O papel estratégico do jurídico: posicionamento, prevenção e institucionalidade

Nesse cenário, o papel dos departamentos jurídicos das empresas do setor de apostas ganha uma nova dimensão: de defensores para articuladores da segurança jurídica. Essa mudança exige:

  • Mapeamento preventivo dos pontos sensíveis da operação, especialmente sob a ótica da proteção ao consumidor e do compliance regulatório
  • Estruturação de respostas institucionais consistentes, com sólida fundamentação jurídica e atenção à sensibilidade política e setorial
  • Participação ativa em fóruns de diálogo com o poder público e entidades setoriais, inclusive no âmbito federativo e legislativo
  • Reforço dos programas internos de governança jurídica, com foco em gestão de riscos, treinamento de times e monitoramento de autuações

Não basta responder autuações. É preciso construir uma narrativa institucional que valorize o consumidor, sem sacrificar a previsibilidade necessária para o desenvolvimento saudável do mercado.

O setor precisa de regulação, não de improviso

A consolidação de um marco regulatório para o setor de apostas é uma demanda legítima e urgente. Mas essa construção deve ser feita com cautela técnica, respeito à hierarquia normativa e diálogo com os operadores do mercado. Não há espaço para improvisos ou atos unilaterais que criam obrigações à margem da legalidade e da competência administrativa prevista em lei.

O voluntarismo regulatório, ainda que bem-intencionado, gera insegurança jurídica e compromete a estabilidade institucional. Em momentos como este, cabe ao jurídico corporativo não apenas proteger a empresa, mas atuar como guardião da coerência institucional, promovendo o equilíbrio entre o legítimo interesse público e a integridade do ambiente regulatório.

Segurança jurídica como ativo de mercado

A ausência de regulação não pode ser suprida por excesso de interpretação. E a insegurança jurídica não pode ser naturalizada como ferramenta de proteção. Em um setor em plena transição normativa, o que se espera das instituições é sobriedade. O que se espera do jurídico é estratégia. E o que se espera do Estado é previsibilidade. Porque, quando o jurídico se antecipa, o negócio respira. Mas quando o Estado improvisa, o risco se torna regra.

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

  • Tags:
  • apostas, Apostas esportivas, direito do consumidor, Procon, regulação, Ricardo Motta, senacon

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