O cristianismo continua a ser a religião mais perseguida do mundo, com 1 em cada 7 cristãos em contexto de perseguição; apesar da celebração mundial pela Páscoa, a prática livre da fé não é garantida a todos os fiéis
- Por Luca Bassani
- 19/04/2025 12h29 – Atualizado em 19/04/2025 12h30
As romarias, as procissões, as missas, cultos, peças de teatro, são parte essencial da memória e da prática religiosa
Atualmente a fé cristã é a mais praticada no mundo. Cerca de 31% da população global, ou aproximadamente 2,4 bilhões de pessoas, seguem alguma denominação que tem a vida, os ensinamentos e a ressureição de Cristo como ponto central de sua fé. Sejam católicos, protestantes ou ortodoxos, os cristãos estão presentes em todos os continentes de nosso planeta e representam a continuidade milenar de uma doutrina que se formalizou no século I e que ganhou adeptos de forma exponencial a partir do século IV. Poucas datas são mais icônicas para o cristianismo que a Semana Santa, de acordo com as tradições, um período marcado pela lembrança da chegada de Jesus Cristo à Jerusalém, seus últimos encontros, suas despedidas, sua crucificação, morte e ressureição.
A Semana Santa é vista por grande parte dos teólogos, como o base central de toda a narrativa bíblica, encerrando o ciclo, pelo qual bilhões seriam inspirados por centenas de anos. As romarias, as procissões, as missas, cultos, peças de teatro, são parte essencial da memória e da prática religiosa anual na vida de centenas de milhões. Infelizmente, dados recentes confirmam que dentre todas as religiões do mundo, o cristianismo continua a ser a mais perseguida.
Diversos organismos internacionais como a Open Doors produzem relatórios anuais sobre o tema, trazendo estatísticas, análises regionais, cortes demográficos e projeções sobre a perseguição religiosa ao cristianismo. De acordo com os dados de 2024, mais de 365 milhões de cristãos no mundo vivem em um contexto de alta perseguição e muitas vezes de impedimento completo da prática de sua fé. Neste período foram quase 5000 mortes documentadas por ódio religioso, mais de 14 mil ataques a igrejas e propriedades cristãs e mais de 4000 prisões arbitrárias por conta da fé. Enquanto, mais de 600 milhões de cristãos têm a garantia de suas práticas e tradições na América Latina e mais de 560 milhões na Europa, no continente africano e no Oriente Médio, a situação é extremamente preocupante.
A África subsaariana é um dos locais mais perigosos para exercer a fé cristã, sendo a Nigéria o país mais letal para cristãos no mundo, onde mais de 80% das mortes registradas em 2023 aconteceram. Grupos terroristas islâmicos como o Boko Haram, atacam sistematicamente comunidades cristãs pelos país, frequentemente com violência. Também na África, nações como Somália e Sudão também são países onde a prática do cristianismo se tornou algo perigoso, com violência extrema e até mesmo conversões forçadas para o Islã. Apesar dos dados dramáticos, as projeções das Nações Unidas e entidades cristãs pelo mundo, apontam que a África será o continente com maior número de cristãos em valores absolutos, superando os latino-americanos já em 2030, com mais de 700 milhões de fiéis de todas as denominações.
No Oriente Médio, berço do cristianismo e de comunidades históricas, os assírios, armênios e até mesmo árabes cristãos, sofrem intensa perseguição de seus próprios países ou de nações vizinhas, vendo como consequência, seus números diminuírem consideravelmente ao longo das últimas décadas. No Irã, teocracia islâmica xiita, igrejas domésticas que atuam de forma clandestina são frequentemente invadidas e seus frequentadores presos como “ameaças à segurança nacional”.
Na Síria e no Iraque, o surgimento do Estado Islâmico na última década causou a morte de milhares de cristãos e obrigou tantos outros a fugirem de suas terras históricas, fazendo os números desta demografia caírem expressivamente. Nos territórios palestinos, onde cidades fundamentais para a narrativa bíblica estão localizadas, como Belém, a comunidade cristã também sofreu enorme declínio, de 10% da população em 1948, para menos de 2% da população da Cisjordânia em 2024. Mesmo com a resiliência de milhares de comunidades, que contra todas as probabilidades, permaneceram vivas, a prática de seus rituais, especialmente em feriados religiosos, tem se tornado mais perigosa e em muitos casos inexistente.
Não apenas nações com o islã como religião oficial impedem a prática do cristianismo, mas também estados autocráticos e autoritários condenam veementemente qualquer símbolo associado à maior religião do planeta. A Coreia do Norte ocupa atualmente o primeiro lugar no ranking global de perseguição ao cristianismo, já que ser cristão é considerado traição ao regime de Pyongyang, e as consequências muito graves. No segundo maior país do mundo em população, a China, o crescente controle estatal sobre as igrejas, o monitoramento digital das redes sociais e a censura costumeira de qualquer conteúdo religioso, também torna a prática das tradições cristãs extremamente desafiadora.
Em suma, vemos que a perseguição religiosa está ainda presente em mais de 70 países do mundo, com um grave recorte para o Oriente Médio, onde organizações e comunidades cristãs milenares, desde as primeiras igrejas primitivas, correm o risco de desaparecer na região durante as próximas décadas. A existência de conflitos armados civis ou regionais, a perpetuação de regimes teocráticos e autoritários e as divisões sectárias cada vez mais explícitas fragmentando sociedades outrora coesas, apenas pioram qualquer perspectiva de mudança.
Muitas vezes nos deparamos com feriados nacionais ou religiosos sem pensar de maneira mais profunda o que significam para nossos países, nossos concidadãos, nossas comunidades. Além deste eventual esquecimento, não refletimos a respeito dos próprios privilégios em se viver em uma sociedade onde a prática religiosa, seja cristã ou não, é amplamente garantida a todos os cidadãos.
Que esta Semana Santa, seja você devoto ou não, seja tempo de refletir a respeito de direitos que temos e que são considerados privilégios para dezenas de milhões em outros cantos da Terra. Tantas mulheres e homens que gostariam não apenas de ter o feriado como dia livre de trabalho, mas como possibilidade de frequentar uma igreja e não podem. Que este tempo de renovação de esperanças, seja também tempo de reflexão acerca de milhões de pessoas que são como eu e você, mas que ainda vivem com medo de carregar um singelo símbolo ou fazer uma rápida oração.
*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.
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