Não sei qual era a intenção da autora da refilmagem de “Vale Tudo”, Manuela Dias, ao adaptar a personagem de Maria de Fátima para o ano de 2025. Se o objetivo era despertar o sentimento que a Geração Z (nascidos entre 1995 e 2010) provoca com seu comportamento online, está de parabéns. O mesmo vale para a atriz Bella Campos, que interpreta o papel.
Na versão original, a filha que passa a perna na mãe e se muda para o Rio é má, interesseira, calculista e, especialmente, cínica. Quem, como eu, esperava pelo cinismo e pela frieza que marcou a vilã feita por Glória Pires, em 1988, pode ter se decepcionado e chegado a contestar do talento de Bella. Mas a Maria de Fátima contemporânea não vive mais no mundo analógico do século passado, não foi impactada pelas transformações que a infância e a adolescência sofrem pelo ambiente digital.
Se pararmos de tentar trazer o passado para o presente, entenderemos que a caracterização da personagem, com todas as influências sociais de hoje, é perfeita. Uma jovem fútil e mentirosa, como a do século passado, mas com um perfil que revela mais do que apenas características pessoais. A Maria de Fátima versão Z representa uma geração inteira que sonha em ser influenciadora, ganhar dinheiro fácil, mas que não tem talento especial, sendo incapaz de produzir conteúdo responsável, inédito e de qualidade.
Não costumo engrossar o coro do “no meu tempo era melhor”. Olho com otimismo para outra parte dessa mesma leva de jovens, que são muito mais engajados em causas como igualdade racial e de gênero, direitos da comunidade LGBTQIA+, meio ambiente e saúde mental. São naturalmente contestadores em relação à hierarquia e aos modelos tradicionais de trabalho e ensino, o que nem sempre é positivo. Mas são posturas que podem levar a ambientes mais saudáveis e equilibrados entre o pessoal e o profissional.
Na outra ponta, os aspirantes a celebridade, como Maria de Fátima, que revela toda a indigência intelectual da juventude que representa, suas aspirações e os caminhos controversos que escolhem para atingir seus objetivos. Um universo que estimula o consumo irresponsável, a comparação constante com as vidas perfeitinhas postadas, a busca pela validação alheia e a sensação infinita de não ter sido convidado para essa festa pobre.
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A Fátima de Manuela Dias desfila um deslumbramento irritante diante de tudo o que o dinheiro pode comprar, algo que não fazia parte do caráter da original, modelo década 1980. É mais um traço típico de gente dessa geração que precisa ostentar para se sentir realizada. Minha única dúvida é se uma vilã tão rasa, que chega a ser meio burrinha, vai convencer o público de que é capaz de enganar meio mundo e sair impune. Bem, a internet está cheia de gente assim.
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